
Jacinto leu numa publicação no Instagram que três restaurantes iam fechar. Não eram quaisquer restaurantes. Eram casas que marcaram presença no cenário gastronômico local. Três grandes referências de comida boa, serviço impecável, ambiente acolhedor. Locais que viviam cheios, com gente entrando e saindo, rindo, celebrando, dividindo porções, pedindo sobremesa com dois garfos. Ele mesmo já tinha comemorado ali um aniversário, um namoro que não vingou, um novo emprego. Tanta vida passou por aquelas mesas.
Ao ver a notícia, Jacinto sentiu um soco no estômago, mas logo percebeu que o tom era aquele de sempre: sensacionalista, apressado, cheio de suposições. “Deve ter desviado dinheiro”, diziam os comentários. “Deve estar com dívida até o pescoço”, especulava outro. “Deve ter problema com justiça trabalhista”, alguém chutava. Sempre o “deve”. A palavra que, acompanhada do verbo “estar”, vira sinônimo de boato, lenda urbana, julgamento rápido e vazio.
Jacinto pensou em como é fácil inventar motivos. Como as pessoas parecem precisar de explicações ruins para algo acabar, como se o fim só fosse possível com culpa, erro ou tragédia. Ninguém parecia considerar a possibilidade mais simples: talvez a vida mude. Talvez o mercado mude. Talvez os donos só tenham se cansado.
Aquilo incomodou Jacinto. Ele, que sempre teve um carinho silencioso por aqueles lugares, sentiu-se pessoalmente afetado. Resolveu então fazer uma pequena jornada: visitaria os três restaurantes antes que fechassem as portas. Queria viver uma última vez aqueles sabores, aqueles sons, aquelas luzes, como quem se despede de um velho amigo.
No primeiro, pediu o chope gelado e as batatinhas rústicas que sempre chegavam crocantes e perfumadas. No segundo, se deliciou com o risoto de camarão que o fazia sorrir mesmo nos dias tristes. No terceiro, um churrasco suculento seguido daquela pescada grelhada com salada de alface e tomate… Combinação que só aquele lugar fazia do jeito certo.
Cada garfada trazia uma memória. Um rosto. Uma conversa. Um sábado à noite que parecia comum, mas que agora voltava como um filme mudo. Sentado ali, Jacinto percebeu que frequentar um restaurante por anos também é viver uma história de afeto. Que lugares nos marcam, nos acolhem, nos curam às vezes. Não era exagero: aquilo doía.
Enquanto comia, pensava se as pessoas não estavam vendo o óbvio. Nem sempre é culpa de inveja, ou de falcatrua, ou de uma suposta “maldição do sucesso”. Às vezes, o mercado simplesmente engole devagar o que parecia eterno. Às vezes, o público muda, os custos aumentam, a pandemia deixou cicatrizes. E é mais fácil apontar o dedo do que entender que estamos num tempo em que tudo parece prestes a acabar. Pequenos fins, dia após dia, minando a sensação de permanência.
Jacinto chegou em casa estufado, cheio de comida até o pescoço e com o coração igualmente pesado. Colocou um café pra passar, deu play na playlist de fim de tarde no Spotify e se jogou no sofá. Abriu o noticiário: e o mundo parecia ainda mais insano. Guerra. Bolsa de valores derretendo. Crise entre China e Estados Unidos. Caos no transporte. Escândalo político. A sensação era de um grande colapso em câmera lenta.
Ele então olhou pro teto e pensou: “Não… deve ter sido inveja”, tentando encontrar alguma lógica mágica, quase infantil, para justificar o fechamento dos restaurantes. Era mais reconfortante acreditar numa maldição, numa energia ruim, do que admitir que estamos todos à mercê de um novo ciclo econômico, social e até emocional.
Melhor que tenha sido inveja — pensou — do que aceitar que talvez estejamos testemunhando o fim de uma era. O fim de uma forma de consumir, de estar, de conviver. O nascimento de novos empreendimentos, mais digitais, mais rápidos, mais impessoais. Um mercado que surge de forma sutil e intensa ao mesmo tempo, sem tempo para criar vínculos, sem espaço para vínculos antigos sobreviverem.
Jacinto ficou ali, ouvindo uma música instrumental, sentindo o gosto do camarão ainda na boca, e desejando, sinceramente, que os novos tempos fossem um pouco mais sensíveis. Que não engolissem tudo tão fácil, nem julgassem tudo tão rápido. Que houvesse mais espaço para dizer: “Eu gostava daquele lugar”, sem precisar justificar com escândalos. Que despedidas pudessem ser só isso: despedidas. E não julgamentos.
Pensar com Arte é Pensar Diferente.
Aimée é uma planejadora urbana com mais de 15 anos de experiência em Marketing, consultora de pós-graduação em NeuroMarketing, Artista Visual internacional e CEO da Tkart, uma empresa internacional de marketing.
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