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O prêmio da descoberta

Crônicas da Cidade com Thiago Maroca

 

Dois meninos levavam suas varas para pescar às margens do rio Descoberto, em Santo Antônio. Isso é coisa de goiano, deixa nóis. O rio corta a cidade, o melhor ponto fica entre “não muito longe” que anoiteça para voltar e “nem muito perto” para não voltar de mãos vazias. Com um pouco de pão, uma sacola e entusiasmo, a felicidade se revelava naqueles dois sorrisos brancos com sabor de doce de amendoim. Coisa boa é ter a noção de que o tempo não passa quando estamos com os nossos amigos.

Em trinta minutos de pescaria, o pão já tinha acabado, os peixes eram espertos, coisa de DNA, durante séculos aquele rio serviu apenas para agricultura e abastecer a vila de Santo Antônio do Descobrimento, um distrito de Santa Luzia, hoje Luziânia. Mas aí acharam ouro e a corrida começou, mas depois o ouro sumiu e a vila ficou. Mais de 200 anos depois é que virou cidade. Mas as histórias estão sempre por aí, até as inventadas. Como bons moleques, eles sabiam ocupar o tempo da melhor forma, nadando. Treinando saltos ornamentais para as próximas olimpíadas, só o santo para salvar as crianças de suas estripulias.

Um dos meninos tirou um pedaço de ímã do bolso, amarrou na linha de pesca e lançou no fundo do rio. Ao ser questionado, o amigo disse que seu avô lhe contou sobre haver ouro no fundo daquele córrego e o mesmo se vingara levando a sua bicicleta quando era jovem. O colega gostou da ideia de pescar ouro já que os peixes não queriam papo. A cada jogada, algo vinha junto, uma moeda, uma tampinha de garrafa, um grampo de cabelo. A história vai sendo criada na mente criativa daquelas crianças a partir dos objetos resgatados. A linha fica presa, a curiosidade toma conta, o mais ousado se prepara as margens para adentrar.

“Eu vou desatar”

“Você pode ficar preso, deixa isso”

“E se for um tesouro?

“Deve ser um galho”

Tchibummm!

Antes mesmo de algum aviso, o colega já estava no fundo do rio. Levou um minuto até que voltasse à superfície.

“ Encontrei uma coisa”

Sem pensar, o amigo que nadava mais ou menos mergulhou. Em pouco mais de dois metros de profundidade, preso a linha estava uma bicicleta. Voltaram a margem, pensaram em várias formas de resgatarem aquele tesouro, aos poucos as ideias se clarearam, pegaram galhos e pedaços de cipós. Fizeram uma engenhoca do qual o peso dos dois trouxesse para a superfície a bicicleta. Em três tentativas, foram o suficiente para obterem êxito.

O modelo era antigo, estava bem enlameado, foram tirando o barro e identificando as partes, com a mente a mil, criando uma história. Mas não foi preciso muito criatividade, o mais velho, o mesmo que havia levado o ímã identificou o modelo, era uma bicicleta “Barraforte”, feita para concorrer com a modelo “Barra circular”, ambas eram invenções brasileiras e pensadas para carregar alguém no quadro. O menino passou bons anos ouvindo do avô que o rio havia tomado sua bicicleta devido à ganância do ouro, agora ele poderia devolvê-la ao seu dono, mesmo que de forma simbólica já que seu avô não estava mais entre nós.

“Fica com ela, eu já tenho uma”

“Mas o ímã é seu. É a bicicleta do seu avô!”

“Ele iria gostar de saber que o meu melhor amigo vai cuidar muito bem da bicicleta dele”

Naquele fim de tarde, os dois voltavam andando com as bicicletas ao lado, planejando a proxima aventura, mas dessa vez sem pesca, apenas as descobertas que a amizade traz.

 

Thiago Maroca é escritor, membro da Academia Valparaisense de Letras, produtor audiovisual, fotografo, mestrando em educação, escoteiro, pai do Théo e uma meia dúzia de coisas que não cabem nesse espaço.

Manda um OI:@thiagomaroca/thiagomaroca@gmail.com

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