Coluna Crônicas da Cidade

O entorno não é de ninguém

Coluna Crônicas da Cidade com Thiago Maroca

Eu nasci em Valparaíso de Goiás, no único hospital da cidade até então ( Não conte a minha idade, por favor). Até os meus 10 anos, nós fomos morando onde meu pai conseguia emprego. Em 1996, nós mudamos definitivamente para Valparaíso de Goiás, já emancipado o distrito de Luziânia. O que causou nossa mudança foi a violência, a guerra entre grupos e a facilidade de acesso às drogas em um bairro do Distrito Federal, a Candangolândia. A quadra que eu morava e mais duas bem próximas criavam um clima de tensão nos moradores. De dia e de noite as ruas eram cheias bêbados, drogados e trabalhadores chegando e saindo. Destaque para a cola de sapateiro, que era moda entre os adolescentes. Tudo isso era muito nítido em nossa vizinhança e incomodava meus pais. A visita de meu padrinho e um roubo a minha bicicleta foram as ações que decidiram por nossa mudança de volta a minha terra natal.

Em 1996, Valparaiso e outros municípios vizinhos teriam suas primeiras eleições municipais. Havia na boca do povo um sentimento de melhorias para a nossa vida naquela cidade dormitório. Mudar foi bom, eu passei a brincar mais na rua e meus pais ficaram mais despreocupados. Valparaiso tinha muitos problemas: Falta de luz, de água, de vacina no posto e o transporte que era uma patifaria com o monopólio da Anapolina. A cidade não estava livre da criminalidade, mas não tinha ninguém cheirando cola de sapateiro no meio das crianças. Os ladrões do bairro respeitavam as casas com seus pertences e faziam proteção para as moças solteiras que chegavam tarde.

Ainda no final dos anos 90, nossas viagens se limitavam a casa de parentes. Turismo de pobre é visitar outro parente pobre. Sempre pensando em relaxar e fazer algo diferente. Para nossa sorte, a minha vó e minha tia moravam no litoral, no morro da ilha do príncipe, em Vitória, Espirito Santo. Ali nós tínhamos um momento de pequenas mentiras, a mais falada era:
“Nós moramos em Brasília”

Era uma forma de dizer que vinhamos de um lugar melhor, pois ninguém nunca tinha saído daquele morro. E assim nossas férias se resumiam a inventar lugares e delírios. Eu contava que já havia visto o presidente, que em Brasília não tinha praia, mas que dava para surfar no lago Paranoá.

O problema é que isso não era uma mentira contada por mim, era uma coisa natural. Crescemos no entorno com pessoas sempre dizendo que odiavam aquele lugar, que estavam esperando a vida melhorar um pouco para mudarem. Com as eleições muitos nunca sequer votaram nas cidades e nem no estado de Goiás. A verdade é que ninguém gosta de morar em um lugar ruim.

Eu sei que já melhorou e ainda tem muito a melhorar, mas esse complexo de vira lata precisa sair de nossa pele. Tem gente que passa no concurso, mas não fala porque é para ensino médio, viaja para fora e não posta foto para pensarem que está com dinheiro. Conheci até um camarada que nunca contou para ninguém que era casado e que já tinha um filho, mas nesse caso foi para não decepcionar alguns contatinhos.

No entorno, todos vivem a soberba de acharam que a cidade não os merece, que o povo é mal-educado, mas poucos fazem qualquer ação de melhoria. Eu deixei de falar que moro em Brasília desde os meus vinte poucos anos(Não faz as contas). Eu sou daqui, eu gosto daqui, eu escolhi viver aqui.
Eu amo o Val porque moro no paraíso. (muito brega mas eu amo essa frase)

Thiago Maroca é escritor, produtor audiovisual, fotógrafo, chefe escoteiro e pai do Théo.
Manda um OI:@thiagomaroca/thiagomaroca@gmail.com

Paula Rocha

Editora chefe do Jornal Diário do Entorno
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