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Diagnóstico de TEA, diferenças entre indivíduos 

O Diário do Entorno falou com exclusividade com a médica e psiquiatra, Josianne Martins, especialista em psiquiatria da infância e adolescência, sobre o diagnóstico do TEA

O Diário do Entorno falou com exclusividade com a médica e psiquiatra, Josianne Martins (@drajosiannemartinspsiquiatra), especialista em psiquiatria da infância e adolescência, sobre o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em adultos, mulheres e crianças. Confira:

DE: Quais são os principais sinais e sintomas do TEA que podem ser observados em crianças em comparação com adultos?

DRA: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, os sintomas aparecem ao longo do desenvolvimento da criança e persistem por toda a vida da pessoa, sendo que, a forma de manifestação dos sintomas pode ser diferente para cada faixa etária. 

Para se ter o diagnóstico de TEA é necessário ter sintomas dentro de dois pilares principais que são: déficits persistentes na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. 

Considerando os pilares principais, seguem algumas características que podem estar presentes na pessoa com TEA de acordo com a faixa etária.

Crianças:

Muito precocemente é possível observar que o bebê não possui muito interesse na figura humana, prefere fixar o olho em objetos e fazem pouco contato visual com a mãe ao longo das mamadas. Pode haver atraso ou ausência do desenvolvimento da fala, uso inadequado da linguagem, que se apresenta com a criança conversando sozinha algo que não é compreensível, repetindo frases que ouviu anteriormente fora de contexto ou repetindo as falas imediatamente após ouvi-las. A criança do espectro pode demonstrar prejuízos na compreensão de gestos e expressões faciais, tendendo a responder de forma inadequada a uma situação ou interpretar de forma literal algo que seria uma ironia. Frequentemente, também têm dificuldades em brincar com outras crianças de forma imaginativa ou cooperativa, déficit no reconhecimento das emoções dos outros e pouco ou nenhum contato visual ao longo de uma conversa.

Geralmente, são crianças que necessitam de rotina mais rígida, pois ficam angustiadas com mudanças. Podem apresentar movimentos repetitivos, como balançar ou girar e interesses restritos a alguns assuntos, tendendo a falar sobre esses tópicos de forma excessiva. Diante de alguns estímulos sensoriais como barulhos altos, texturas específicas, luzes e cores muito intensas podem mostrar reações exageradas de choro, irritabilidade e crises de ansiedade.

Adultos:

Ao longo da vida, mesmo os adultos que não receberam o diagnóstico na infância, provavelmente desenvolveram as suas habilidades de comunicação e os déficits aparecem de forma mais sutil. Dessa forma, um adulto com TEA pode demonstrar alguma dificuldade em manter conversas de forma fluida, entender sarcasmo e sutilezas, e interpretar linguagem não verbal. Muitas vezes são pessoas que preferem manter interações mais estruturadas e previsíveis, como as que ocorrem com colegas no ambiente de trabalho, já que as amizades mais próximas podem se tornar difíceis pelo prejuízo em reconhecer e responder às emoções e expectativas dos outros. O esforço exigido para interpretar os sinais sociais e responder adequadamente a eles é algo que gera muito desgaste para o adulto portador de TEA, o que se demonstra pelo relato de se sentir exageradamente cansado após um período de interação social. O apego a rotinas é mais discreto que o da criança, porém ainda existe e causa algum desconforto. Os movimentos repetitivos, quando estão presentes, é algo pouco perceptível e muitas vezes interpretado como ansiedade. São pessoas que podem demonstrar preferência marcante por algumas atividades, assuntos ou hobbies específicos. A hipersensibilidade aos estímulos sensoriais ainda pode estar presente, mas de forma mais discreta porque o adulto geralmente aprendeu a lidar com seu desconforto ou reage de forma menos intensa que a criança.

DE: Como a apresentação do TEA difere entre meninos e meninas, e quais são os desafios associados ao diagnóstico em mulheres?*

DRA: O Transtorno do Espectro Autista pode variar em sua forma de apresentação clínica entre meninos e meninas, o que influencia diretamente no diagnóstico do transtorno na fase adulta das mulheres. 

Os meninos geralmente apresentam os sintomas na sua forma mais clássica, demonstrando dificuldades mais intensas nas habilidades sociais, comportamentos repetitivos pronunciados e interesses restritos mais evidentes. Frequentemente, demonstram também maior agitação e outros problemas comportamentais. 

As meninas, apesar de possuírem as mesmas dificuldades sociais dos meninos, conseguem se adaptar melhor socialmente e disfarçar seus sintomas imitando os comportamentos das crianças com desenvolvimento típico e deixando os sintomas mais difíceis de se identificar. Além disso, podem ter interesses restritos mais alinhados com os típicos para sua idade, mas com uma intensidade incomum. 

Em razão da apresentação menos evidente dos sintomas no gênero feminino, o diagnóstico se torna um desafio. As mulheres, na maioria das vezes, desenvolvem uma estratégia muito eficiente de “camuflar” as suas dificuldades sociais, adaptam-se ao ambiente familiar e de trabalho, podendo não aparentar os sintomas de TEA. Dessa forma, o diagnóstico tende a ser mais tardio e, muito frequentemente, são diagnosticadas antes com outros transtornos, como depressão ou ansiedade.

DE: Quais são os métodos de triagem e diagnóstico mais confiáveis para identificar o TEA em crianças pequenas?

DRA: O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista é essencialmente clínico, ou seja, com base no histórico do desenvolvimento da criança. Dessa forma, a triagem é feita principalmente ao longo do acompanhamento pediátrico nos primeiros anos de vida, observando os marcos do desenvolvimento, como o início da fala, forma de brincar, imitação dos gestos, reação às brincadeiras, contato visual, movimentos repetitivos, seletividade alimentar etc. Além do histórico clínico, a avaliação neuropsicológica, na qual são aplicados testes específicos para TEA, pode contribuir para respaldar o diagnóstico, especialmente nos casos mais leves e com sintomas mais discretos, e ajudar nos diagnósticos diferenciais que, porventura, possam causar dúvidas. 

DE: De que forma a comorbidade com outros transtornos psicológicos ou psiquiátricos pode complicar o diagnóstico do TEA em adultos?*

DRA: A comorbidade com outros transtornos psicológicos ou psiquiátricos pode complicar significativamente o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista em adultos porque muitos dos sintomas são compartilhados entre os diversos diagnósticos, fazendo com que as queixas sejam atribuídas às comorbidades e o TEA não seja evidenciado. As dificuldades sociais, por exemplo, são vistas também nos transtornos de ansiedade e depressão, portanto, se a pessoa apresenta sintomas desses transtornos e os sintomas do TEA são sutis, provavelmente o diagnóstico será mais difícil. 

DE: Como as experiências vividas e o contexto social podem influenciar o diagnóstico de TEA em mulheres adultas que podem ter desenvolvido estratégias de superação?

DRA: As mulheres com TEA desenvolvem inconscientemente ao longo da vida habilidades para camuflar ou adaptar seus comportamentos às expectativas sociais. Dessa forma, elas tendem a imitar comportamentos sociais e usar estratégias de mascaramento dos sintomas para que suas interações pareçam mais típicas. 

A presença de uma rede de suporte sólida e uma carreira profissional de destaque podem ajudar as mulheres a desenvolverem estratégias ainda mais eficazes para lidar com as dificuldades do transtorno, influenciar como os sintomas são relatados e percebidos e, consequentemente, fazer com que os sintomas sejam menos evidentes. Além disso, ambientes altamente estruturados, com rotinas bem estabelecidas ou que oferecem suporte adaptado podem mascarar ou diminuir a visibilidade dos sintomas.

Para as mulheres com TEA, experiências de vida negativas, exposição ao estresse prolongado ou discriminação podem exacerbar ou ocultar sintomas do TEA. Por exemplo, uma mulher com TEA pode desenvolver altos níveis de ansiedade ou depressão diante de períodos de vida difíceis, e esses sintomas podem se sobrepor ou mascarar os sinais clássicos do TEA.

DE: Quais testes ou avaliações psicométricas são mais eficazes na identificação do TEA em adultos, e como eles se comparam à avaliação de crianças?

DRA: Essencialmente, o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista é clínico, porém a avaliação neuropsicológica pode contribuir para respaldar o diagnóstico ou ajudar nos diagnósticos diferenciais. Ao longo da avaliação são aplicados testes, que são escolhidos de acordo com o que o paciente apresenta, considerando a idade e o grau de instrução escolar. Os testes visam principalmente explorar de forma qualitativa e quantitativa o desenvolvimento na infância, comunicação, interação social, jogo imaginativo, reciprocidade social, atenção aos detalhes, comportamentos repetitivos e interesses restritos. Além disso, os testes de habilidades cognitivas são importantes para distinguir o TEA de outras condições que afetam o funcionamento cognitivo. No mais, as avaliações das atividades da vida diária, habilidades de trabalho e funcionamento social ajudam a entender como o TEA impacta a vida cotidiana do adulto. 

DE: Qual o papel dos pais e cuidadores no processo de diagnóstico do TEA, e como suas percepções podem impactar as decisões clínicas?*

DRA: De maneira geral, as percepções dos pais e cuidadores são fundamentais para traçar uma visão ampla da criança, pois são as principais fontes de informação sobre o desenvolvimento, o comportamento, as interações sociais, os padrões de comportamento repetitivo e as respostas a estímulos sensoriais. Além disso, os pais são os mais aptos a identificar as habilidades e os pontos fortes da criança, assim como os seus maiores prejuízos funcionais. Dessa forma, as percepções dos pais/cuidadores sobre o comportamento e desenvolvimento podem influenciar como os sintomas são apresentados aos profissionais de saúde. Algumas vezes, pais com receio de algum diagnóstico podem minimizar ou ignorar certos sintomas, afetando a interpretação dos sintomas e a realização do diagnóstico.

Uma vez estabelecido o diagnóstico, novamente as percepções dos prejuízos relatados pelos pais/cuidadores irão determinar o planejamento terapêutico, se esse irá incluir medicamento e quais terapias devem ser iniciadas.

DE: Que diferenças existem no padrão de habilidades sociais e de comunicação entre crianças e adultos diagnosticados com TEA?*

DRA: As alterações no campo das habilidades sociais e de comunicação podem se apresentar de forma diferente em cada faixa etária. As crianças podem apresentar atraso ou ausência da fala, dificuldades em fazer amigos e se engajar em brincadeiras com outras crianças, prejuízos no entendimento das normas sociais e na interpretação dos sinais não verbais dentro da comunicação. Algumas crianças também podem ter dificuldades de conversar sobre outros assuntos que não sejam dentro do seu interesse restrito ou demonstrar um uso não convencional da linguagem, repetindo frases que ouviram anteriormente fora de contexto ou conversando sozinha algo incompreensível aos outros. Ainda dentro das alterações da comunicação, a criança pode não conseguir identificar e expressar suas próprias emoções e as emoções dos outros, o que pode impactar a forma como interagem.

Na fase adulta, muitas pessoas com o diagnóstico de TEA já desenvolveram estratégias para lidar com as dificuldades sociais e podem ter habilidades sociais mais aprimoradas em comparação com a infância. Eles podem ter aprendido a interpretar sinais sociais e a se adaptar a situações sociais, mas isso pode exigir muito esforço e prática já que não é algo intuitivo. No geral, ainda enfrentam desafios com nuances da linguagem, como sarcasmo, metáforas ou trocadilhos e a comunicação pode ser direta e literal.

DE: Como a idade e o desenvolvimento neuropsicológico afetam a maneira como o TEA se apresenta e é diagnosticado em diferentes faixas etárias?*

DRA: O TEA pode se apresentar de formas diferentes de acordo com a faixa etária, porém os sintomas centrais são os mesmos: déficits persistentes na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. 

Considerando os pilares principais, na criança observa-se principalmente o atraso ou ausência da fala, dificuldade em fazer contato visual, preferência por brincar sozinho, comportamentos repetitivos (p.ex. alinhar brinquedos ou ter reações intensas a mudanças na rotina), seletividade alimentar etc.

Na adolescência as dificuldades de interação e de compreensão das normas sociais ficam mais evidentes, principalmente, em ambientes como o da escola. Algumas vezes, os adolescentes desenvolvem estratégias compensatórias que podem mascarar ou modificar a forma com que os sintomas se apresentam. E outras vezes, engajam-se em jogos eletrônicos, séries e mídias sociais, isolando-se ainda mais socialmente. Nessa faixa etária pode ocorrer também o aparecimento de sintomas depressivos e/ou ansiosos por influência das mudanças corporais e da sensação de “não pertencimento” aos grupos. Frequentemente, o adolescente é levado para avaliação por outros sintomas que não o do TEA, dificultando o diagnóstico.

Em adultos, os sintomas do TEA podem ser mais sutis ou camuflados devido a estratégias compensatórias desenvolvidas ao longo do tempo. A capacidade de adaptação pode tornar os sinais menos evidentes, mas ainda existem as dificuldades dentro da comunicação/interação social e os comportamentos repetitivos ou restritos. Também na fase adulta é comum o paciente buscar atendimento médico por outros sintomas que não o do TEA, dificultando o diagnóstico.

DE: Quais são as implicações do diagnóstico tardio do TEA em adultos, e como isso pode afetar seu acesso a tratamento e suporte?*

DRA: O diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista pode gerar várias implicações na vida de um adulto desde impactos na sua autoestima até prejuízos no seu desenvolvimento profissional. Na maioria das vezes, um adulto do espectro ainda sem diagnóstico, é uma pessoa que se sente inadequada social e emocionalmente e, provavelmente, vivenciou experiências, comportamentos e desafios que não eram compreendidos. 

Muitos adultos diante das dificuldades desenvolvem sozinhos estratégias para compensar os sintomas e isso pode não ser saudável, gerando desgaste emocional a longo prazo. Dessa forma, a ausência do diagnóstico precoce pode resultar em problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, exacerbados pela falta de compreensão e suporte adequados durante a vida.

O diagnóstico tardio vem como forma de alívio e compreensão pessoal, melhorando a autoestima, autoaceitação, reduzindo sentimentos de inadequação e trazendo novas perspectivas com relação aos seus desafios nos relacionamentos interpessoais e na sua carreira profissional. 

Visão Geral

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, que aparece ao longo do desenvolvimento da criança, podendo já apresentar sinais muito precocemente. Um dos principais indícios é a dificuldade do contato visual do bebê com a mãe ao longo das mamadas e os prejuízos na atenção compartilhada, que é a capacidade que se tem de olhar para o mesmo objeto que a outra pessoa está olhando ou apontando e compartilhar emoções e expressões diante dessa experiência que está sendo dividida.

O diagnóstico do transtorno geralmente é clínico, feito pelo psiquiatra e/ou neurologista, investigando o histórico do desenvolvimento da pessoa e o conjunto de sintomas apresentados. Em alguns casos, a avaliação neuropsicológica pode contribuir para respaldar o diagnóstico ou orientar diagnósticos diferenciais. Frequentemente, é necessário descartar doenças neurológicas, genéticas e outros transtornos psiquiátricos.

O tratamento é essencialmente composto por terapias, que serão definidas de forma individualizada e suporte no ambiente familiar, escolar e de trabalho. Não há um medicamento específico para o transtorno, portanto, quando o tratamento é necessário, a medicação será prescrita focando no sintoma que está trazendo mais prejuízo para o paciente.

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