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Coluna: Direito com Rodrigo Leitão

Só não desonre o meu nome

 

Olá, para todos vocês!! Há uma música da cantora Pitty que serve de premissa para nosso bate papo de hoje. A canção é do disco Chiaroscuro lá de 2009 e se chama “Me adora” onde parte de sua letra diz “Tantas decepções eu já vivi, aquela foi de longe a mais cruel. Um silêncio profundo, e declarei: Só não desonre o meu nome! Você que nem me ouve até o fim e injustamente julga por prazer. Cuidado quando for falar de mim… E não desonre o meu nome!”. Logo, o assunto será o nome a que cada um de nós, brasileiros, temos direito e um caso bastante interessante no campo trabalhista. Vamos lá?

Iniciemos nossa conversa sabendo que existe o Decreto nº 8.727/2016 cuja ementa “Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.”. Também existe uma cartilha (facilmente localizável na internet), publicada pelo Governo Federal de título “Garantia da utilização do nome social para as pessoas travestis e transexuais”. Para o pessoal do judiciário existe a Resolução nº 270/2018 onde em sua ementa “Dispõe sobre o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros.”, ou seja, vale a leitura de seu artigo 2º “Os sistemas de processos eletrônicos deverão conter campo especificamente destinado ao registro do nome social desde o cadastramento inicial ou a qualquer tempo, quando requerido.”. Em campo municipal, Juiz de Fora em Minas Gerais, lançou edital “Meu nome, minha identidade” com o objetivo de promover os assentos dos registros civis de travestis, pessoas não binárias, mulheres e homens transexuais que residem na cidade. Dr. Rodrigo, mas está assim tão amplo essa questão do nome social? Está sim e muito felizmente, meu caro e incrédulo leitor!!

Agora, passando ao caso trabalhista mencionado no começo dessa prosa, uma empresa chegou a ser condenada no valor de R$ 20 mil por assédio a uma pessoa trans (um jovem aprendiz). E essa treta merece ser debatida! Por óbvio o processo é sigiloso para resguardo da segurança dessa pessoa, afinal, de acordo com os dados do Grupo Gay da Bahia sabe-se que há uma morte de pessoa LGBTQIA+ a cada 34 horas e isso apenas no ano de 2023. O Brasil nessa “olímpiada de violência” é medalha de ouro no mundo. O caso em si ocorreu lá no município de Pacajus no Ceará quando, após ter solicitado aos supervisores e funcionários que fosse tratado pelo pronome masculino e pelo seu nome social, veio a sofrer resistência e situações vexatórias. O jovem era cadastrado no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e por parceria com a empresa conseguiu sua vaga de trabalho. Contudo, a empresa se fez de tonta e se recusou a alterar os dados cadastrais vindo a emitir um crachá com o nome registrado no documento civil da pessoa. Além disso, e para piorar, seu supervisor imediato insistia no uso de seu nome de registro além de ter sido hostilizado pelo uso do banheiro masculino e (pasme!), quando foi apresentar um atestado médico, o profissional da empresa e-x-i-g-i-u retificação para constar não o seu nome social, mas o de registro. Inacreditável!!

A empresa então foi condenada a pagar os valores de danos morais além de verbas trabalhistas incidentes com o fim da relação trabalhista (saldo de salário, aviso-prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40%, multa rescisória e honorários advocatícios). O reconhecimento de que pessoas trans ou travestis podem alterar o seu nome e o gênero no registro civil já foi pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) e veio a ser regulamentada pelo Provimento nº 73, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), isto é, as alterações podem ocorrer diretamente num Cartório de Registro Civil. Dados divulgados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen/Brasil), que é composta por aproximadamente 7.741 cartórios pelo país, afirma que desde 2018 já foram feitas mais de 12.067 alterações de gênero por pessoas trans. Contudo, ainda carecemos de legislação específica para determinar o irrestrito, integral, completo e absoluto respeito ao uso do nome social pelas pessoas físicas e jurídicas e não somente na Administração Pública. Vide São Paulo com seu Decreto nº 55.588/2010. Ah! Dr. Rodrigo, mas esses novos tempos estão muito chatos… é muito “mi mi mi”. Respeitar a sua opinião é um dever de cada um, mas concordar, acredite, não é! E se esse dito “mi mi mi” for alusivo a respeitar o outro na sua condição particular, então precisamos de muitos mais por aí… e só não desonre o meu nome!!

Rodrigo Leitão é advogado, especialista em Direito do Consumidor, palestrante, Conselheiro Fiscal (suplente) do Instituto Goethe-Zentrum de Brasília, Prêmio ANCEC 2024 e orientador para o Exame de Ordem.

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