Caindo de amor!
Coluna Desatar Nós com Prof. Dr. Psicanalista William Figueiredo

Eu sempre gostei do conceito de apaixonar-se na língua inglesa: Falling in Love.
Cair, talvez, seja uma metáfora forte, mas acho mais interessante outra tradução, que como nos diz o filósofo francês Paul Ricoeur, necessita de um luto, a tradução nunca é direta, literal. E por este motivo eu diria que Falling seria mais fácil de entender como, precipitar, participar ou enlace.
O enlace é muito profundo, tem suas origens num momento inicial da nossa existência, quando ainda não existia o verbo. Pois, a criança aprende a amar antes de falar. Antes de se banhar com a linguagem, como dizia Lacan.
A paixão é este decaimento, o momento antes da queda, quando ainda iremos oniscientes.
Quando ainda muito pequenos, tínhamos a certeza que o mundo e nós mesmos formávamos uma unidade indestrutível. Mas com o avanço da idade esta sensação vai dando espaço para a separação entre eu, mundo e os outros.
No famoso texto de Platão, Sócrates, durante o Banquete, discorre sobre o amor, e então surgi a teoria do andrógeno. Éramos seres integrais, e os deuses com inveja, nos separaram. Então, vagamos em busca da nossa outro parte perdida.
A alma gêmea.
Entretanto, para Freud, o bebê está em um estado de “narcisismo primário”, onde o mundo e o próprio eu se misturam. O amor, sob a ótica freudiana, muitas vezes surge como um investimento da libido narcísica no outro.
Procuramos no parceiro qualidades que admiramos em nós mesmos (ou gostaríamos de ter), ou qualidades que nos remetem a figuras de cuidado e afeto da nossa infância (como a mãe ou o pai).
Enxergamos o outro como fascinante, idealizado, preenchendo uma falta que sentimos em nós. Neste sentido temos o amor anaclítico (ou de apoio) onde a escolha recai sobre alguém que satisfaz as necessidades básicas (apoio, segurança, cuidado), e por outro lado o amor narcísico, onde alguém que representa o que nós fomos, o que somos, o que gostaríamos de ser, ou uma parte de nós mesmos.
É um amor a si mesmo através do outro.
Para Lacan, o ser humano é marcado por uma falta constitutiva. Não somos completos. O desejo não é a busca por um objeto real que preencha essa falta, mas a tentativa de encontrar um “objeto a” (objeto causa do desejo), que é o que há de mais singular e irredutível no outro e que remete à nossa própria falta. Em algum lugar do passado este contorno de integração total, deixou um hiato que busca ser preenchido incessantemente.
“O amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer”
Esta famosa frase de Lacan ilustra a complexidade do amor. “Dar o que não se tem” refere-se à nossa própria falta. Não oferecemos algo que possuímos, mas a nossa própria falta, a nossa incompletude. “A alguém que não o quer” aponta para a ideia de que o outro também é um sujeito desejante e já é barrado por sua própria falta. Ele não busca algo para se completar, mas busca a causa do seu desejo.
O namoro, então, é um encontro entre duas faltas que tentam se “suprir”, mas que nunca se completam totalmente. O que acaba por nos levar, muitas vezes, ao fim deste enlace. Pois este jogo de esconde-esconde do desejo, da falta, das fantasias, levam o casal aos poucos a compreensão desta distância incontornável.
As almas não são gêmeas, são singularidades. E sendo algo único, cada sujeito tem um mundo único a compartilhar. E se conseguirmos superar as diferenças, que se tornam cada vez mais impossíveis de esconder, se pudermos renunciar às imagens infantis e míticas de completude, talvez, possamos dizer sim ao amor, e com ele construir uma vida ao lado de alguém que diz tanto sobre nós ou não.
Desejo que possamos transformar essa força intensa em extensão. Em longevidade.
Alguns amores passarão, e deixarão uma marca, uma lembrança dessa potência que é a vida. Amores que nos fizeram lembrar que somos deuses, e que tudo pode acontecer, basta desejar forte.
Aos que estão hoje ao lado de seus amores, apenas vivam cada segundo, não perca a oportunidade de sentir cada detalhe, pois enlouquecer, e se estrebuchar de amor é o melhor que há na humanidade.
Prof. Dr. William Figueiredo é filósofo, psicanalista, pós-doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia e doutor em Ciências da Religião. Especialista em Psicopatologia e Bem-Estar Social pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, atua com atendimento clínico online, supervisão e assessoria em desenvolvimento humano e educacional. É também professor colaborador na Universidade Metodista de São Paulo e no Instituto Ânima, como formador em Educação Socioemocional. Ministra palestras, formações e workshops voltados à escuta qualificada, saúde mental e processos educativos.
www.3eb.com.br
arteveiculo@gmail.com
@trieb_psicanalise