Coluna Crônicas da Cidade

A Família Gambiarra: Um Conto de Reciclagem, Mentiras e Copos Descartáveis

Coluna Crônicas da Cidade com Thiago Maroca

Tudo começou cedo demais para o nosso herói. Enquanto outras crianças aprendiam a amarrar os sapatos ou fazer bolhas de sabão, ele foi instruído pelo “tio” vizinho (aquele que sempre aparece quando o pai não está) na nobre arte de transformar garrafas de Guaraná Dolly em moringas d’água. “Água gelada o dia todo, meu filho!”, dizia o tal tio, com o ar de quem havia descoberto a roda. E assim, o garoto iniciou sua jornada no mundo da reciclagem criativa — ou, como a vizinhança chamava, “acumulação de porcarias com propósito”.

Com o avanço da economia (leia-se: aumento da coleção de PETs no quintal), ele evoluiu. Já não bastava congelar garrafas; agora, batia o gelo e fazia frozen para as visitas. “É de abacaxi?”, perguntavam os desavisados. “Não, é de PET 2006 com um toque de poeira do freezer”, respondia, orgulhoso.

Não demorou para que a casa inteira virasse um laboratório de gambiarras futuristas. Restos de sabonete viravam uma obra de arte multicolorida — um Frankenstein de higiene pessoal. A pirataria digital inspirou uma boate na garagem, com refletores feitos de CDs riscados do Roupa Nova. O cachorro, uma mistura de Lhasa Apso com “vira-lata do bar do Bituca”, ganhou uma coleira de tampinhas e uma guia rendada com fios de telefone. Farofa era o único cão do bairro que parecia ter saído de um desfile de Coco Chanel — se é que Coco Chanel algum dia sonhou com um look tampinha-chic.

A mãe, não querendo ficar atrás, resolveu sofisticar a cozinha. Potes de margarina viraram Tupperwares, latas de Pomarola viraram xícaras, e os potes de sorvete eram agora os must-have da mesa. Era um luxo que deixaria Palmirinha e Ana Maria Braga com inveja — ou no mínimo com uma dor de estômago.

O irmão mais novo, inspirado, assumiu o cargo de “reparador oficial do lar”. Dobradiças rangendo? Graxa. Telha quebrada? Pedaço de guarda-roupa velho. Vidro rachado? Durex. “Isso é que é ser moderno!”, ele dizia, enquanto a casa inteira parecia prestes a desmoronar em um efeito dominó de improvisos.

Mas a verdadeira mestra da arte da gambiarra era a irmã. Na flor da idade — ou melhor, na flor dos hormônios —, ela ensinou a técnica mais refinada de todas: a mentira. Nada de garrafas PET ou fios de telefone. Era puro teatro. Mantinha dois namorados em paralelo: um bancava os mimos, o outro era “bom na pegada”. E ela, como uma diretora de novela mexicana, atualizava seu caderno de falsidades para que nenhum dos dois descobrisse o outro. O irmão ficou maravilhado. “Finalmente uma gambiarra que não precisa de durex!”, pensou, já imaginando as possibilidades.

E o pai? Ah, sim, o pai. Ele existia. Um dia, durante o jantar (servido em travessas de margarina requintadas), olhou para o filho e perguntou:

— Onde você aprendeu tudo isso, meu filho?

— Com o vizinho! Ele vem toda tarde conversar com a mamãe no quarto e depois me ensina a consertar as coisas.

Silêncio. Um silêncio tão pesado que até o lustre de copo descartável balançou. A irmã, é claro, riu por dentro: “Mentiu melhor que eu!”

No fim, a única gambiarra que sobreviveu intacta foi o tal lustre de copo descartável. O resto? Bem, alguns dizem que o pai ainda está procurando o vizinho. Outros afirmam que a irmã agora tem três namorados. E Farofa, o cão estilista, nunca mais foi visto.

Moral da história: na família Gambiarra, nada se perde, tudo se transforma. Principalmente a verdade.

Thiago Maroca é escritor, produtor audiovisual, fotógrafo, chefe escoteiro e pai do Théo.

Manda um OI:@thiagomaroca/thiagomaroca@gmail.com

Paula Rocha

Editora chefe do Jornal Diário do Entorno
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