
Faço um convite, despretensioso, chamando minha amada para tomarmos uma cerveja. Coisa simples, um churrasquinho, uma gelada, dois copos e na TV do bar tocando algum sertanejo famoso intercalando com um desconhecido que só toca música do famoso.
“Eu não quero comer churrasquinho, fiz as unhas.”
“Quer comer o quê?”
“Hot Filadélfia e um fio de ganache com trufas belgas”
Já tem um certo tempo que as coisas estão mudando de nome, mas, sushi eu pensei que fosse perpetuar. Tudo começou quando a palavra gourmet saiu da cozinha da França e ganhou o mundo, melhor dizendo, o coração do Brasil. Bastou acrescentar a palavra gourmet no final e o preço subiu. Seja brigadeiro, cachorro-quente, pastel e acima de tudo, a pipoca. O símbolo sagrado do cinema, do circo, do aniversário sem graça de adulto, foi gourmetizado. Um simples milho estourado com um pouco de sal e aroma inigualável triplicou o preço porque alguém resolveu pôr sal rosa do Himalaia (que é outra canalhice) e finalizar com leite em pó por cima.
Chocolate puro cacau, cerveja com lúpulo orgânico, vinho com uvas colhidas no entardecer de outono, massa de pastel frita no óleo de canola, até o torresmo ficou menos gorduroso porque está sendo feito na air fryer (disso eu gostei).
Há anos está em curso um projeto nacional para acabar com o pãozinho francês, uma verdadeira guerra contra o glúten. A salsicha do hotdog da praça virou inimiga da saúde, o negócio é a tal salsicha vegana, que quase ninguém sabe a origem também. O hambúrguer é que subiu no conceito, e no preço. Todo canto tem uma hamburgueria artesanal com uma pessoal de luva e avental. Antes de servirem suas iguarias, ficam recitando o mantra da verdadeira comida, da experiência que somente a palavra gourmet pode trazer.
O açaí, fruto tradicional do norte, chegou por aqui coberto de paçoca e leite condensado. Os atletas colocam granola para equilibrar o peso das escolhas calóricas. Até o baru, uma castanha típica do cerrado, foi substituída pelo pistache, que é outra coisa que eu não faço ideia de como se planta.
Abro aqui um espaço para falarmos dos produtos vegetarianos, que deveriam em teoria ser saudáveis, mas saem das mesmas fábricas dos ultraprocessados. Sem origem animal, tudo com sabor de borracha e isopor, coberto com bastante açúcar.
Pitaya, mirtilo, lichia, hibisco, linhaça e flores, o povo tá com o estômago curioso. Tem até flor de sal. Eu nunca vi de onde eles pegam o sal, mas não lembro de comer nenhuma fruta e nem flor salgada.
No fundo, podem até ser boas essas opções, mas não precisam dessa doutrinação toda. Cerveja boa é cerveja gelada, petisco bom é aquele frito na hora, igual ao pastel. E se você não come carne, peixe, frango, fritura, não toma refrigerante, não fuma, não fala alto, não tem time de futebol do coração, não faz aposta de vez em quando, não pechincha preço, não gosta de caipirinha, não toma sorvete na casquinha, não suja os dedos quando come chocolate, não faz carinho nos cachorros da rua, não compra arte do hippie por vezes… eu tenho uma concepção que tu deve ser chato.
Chatérrimo!
A boa comida vem de origem simples, não precisa de um nome diferente ou uma palavra estrangeira. Ingredientes exóticos podem ficar na prateleira do mercado. Porções pequenas em pratos enormes. Tudo mais caro, um baita de uma campanha de marketing e a boa e velha diferenciação social.
Querem substituir o prazer de comer bem por momentos de diversão. Não me chame para isso, sou humilde e tenho fome de atleta.
Fui!
Thiago Maroca, pai do Théo, é um profissional multitarefas que atua como escritor, produtor audiovisual, fotógrafo e chefe escoteiro.
Entre em contato com ele através do e-mail thiagomaroca@gmail.com ou @thiagomaroca.